PREVILÉGIOS

Escrevo isto ao som de uma das melhores misturas de tons e melodias do mundo, Jazz. Uma arte que se não existisse, estaria certamente perdida.
Os criadores do Jazz são negros, o Jazz veio das comunidades negras, ele transmitiu e transmite muito amor e muita dor de todo o seu criador. As ruas, a vida, as vivências e aquela melodia.
Bem, vamos saltar? É sobre negros a minha conversa, é sobre aceitação a minha teimosia, é sobre amor o meu discurso. O quão importante é para mim aceitar o meu nariz, a minha pele e as minhas restantes características juntamente com o meu cabelo? É tipo respirar para mim, é por isso que o Racismo de Ponta funciona tão bem e tão "limpo", já tinha escrito sobre isto, dá uma vista de olhos nos outros textos...Sabemos que ele não deixa sangue como rasto, pelo menos não à primeira. Matam-nos ao dizerem que precisamos ajeitar o nosso estilo, o nosso cabelo, a nossa postura e os nossos gostos, para nos encaixarmos melhor..."Vais gostas das mudanças"...É o que sempre dizem e sim, na verdade, passas a acreditar que gostas de tudo aquilo e começas a negar o facto de que tudo isto foi implementado na tua cabeça de maneira agressiva. É assim que eles nos matam, é assim que nós morremos e continuamos vivos.

O teu cabelo é a tua identidade. Enquanto falam-me de "preferências", eu prefiro dizer que quando dizemos que nós gostamos de mulheres ou homens mais "clarinhos" e com o cabelo mais "fininho", estamos a espetar uma faca no nosso próprio peito.

Também te convenceram que era preferência, lamento informar que não é uma preferência pura, inocente e real que sai de ti de maneira a revelar o teu amor. É um ódio. É. Um. ódio. Fazem-te acreditar que o melhor é sempre uma mistura, canso-me de dizer isto, o Colorismo está aí, desce mais para os próximos textos, se tiveres estômago para continuar já este.

Privilegio, é o que temos quando somos negros e enquadramos no padrão que grita o cabelo cacheado e a pele clara. É certo que não pedimos este privilégio e é mais certo ainda que não existe nada de errado nele, caso tenhamos a consciência de que devemos arrebatar os espaços que nos são concedidos por sermos como somos, e falarmos sobre outras causas que envolvem nossos restantes irmãos de pele mais escura, trazendo-os para a linha da frente, dando-os a oportunidade de falar por eles, porque voz ninguém dá, voz eles sempre tiveram e para sempre terão. Podes não ouvir, podes não ligar, mas sempre existiram e para sempre existirão. Mencionei Cabral, mais um texto algures no blog, não me canso de mencionar, ele falou desta estratégia e deste pensamento do tamanho do mar...Vamos lutar e aproveitar dos privilégios para vencer o mal, fazer pela cultura, com a cultura, dentro da cultura.

Não é preferência, continuo a insistir contigo e não aceito que me venhas dizer que esta escolha contínua de meninas mais claras nos vídeos clips são mera coincidência. Existem mais 3 ou 4 que andam a batalhar para trazer meninas negras de pele escura para mais espaços, mas é certo que quem tem gerado espaço para que isso aconteça são as próprias mulheres de pele escura.

E sobre o cabelo? Ah, o cabelo!
Parei e afirmei que para mim não fazia sentido batalhar por visualizações em um vídeo onde mostro um creme ou um método que para mim é desnecessário enquanto milhares de mulheres neste contexto, sofrem por não terem uma representação sequer. Sentiria um peso horrível de não conhecer o meu cabelo se um dia me deparasse em frente a um ecrã a tentar meter cremes no meu cabelo e me convencer de que o resultado será igual ao da menina de cabelo quase que liso, no tutorial. É este peso que me fez parar. O meu cabelo se enquadra de certa forma em um padrão construído dentro do tal movimento natural, e eu não quis batalhar para ocupar mais um espaço para falar da mesma coisa que mais umas quantas falam e já acho que é suficiente. Tento ocupar para falar de algo mais, longe de mim minimizar quem não o faz, mas eu só queria continuar a fazer aquilo que realmente faz sentido.

Se tu me disseres que hoje, em Portugal, não é necessário falar da questão estética das mulheres negras e africanas que cá vivem, por estar tudo "resolvido e percebido", eu vou te abraçar e dizer "coragem". Coragem porque ainda vives numa bolha, o medo não é grande e achas que lá fora é tudo igual. Coragem porque acreditas que todos os cabelos são bem aceites tanto quanto o cacheado que está pendurado em um padrão criado para assassinar outros tipos de cabelos.


É uma ilusão pensares que alguém com o cabelo 4C não precisa lutar ainda, se esconder, ser forte para aparecer e por vezes admitir fraqueza e dar as voltas para esconder e tornar-se "apresentável". Se esconder para se apresentar. Mete confusão, mas no fundo sabes que tenho razão. As laces ganharam força...Pá, não tenho nada a ver com o que fazes com o teu cabelo, mas a mim não me calam e não me convencem do contrário, quando digo que mulheres com o cabelo crespo e curto estão a sentir-se mais "apresentáveis" com as laces do que com o cabelo natural! As voltas que o mundo já deu durante a minha curta existência não me possibilitaram acreditar que tudo é uma escolha livre da pressão do padrão estético europeu!

Lá voltamos nós à velha discussão, sim, eu sei que cada uma usa o cabelo da sua forma, e se prestares atenção, eu não estou a falar sobre a tua vida e a tua liberdade...Se eu te ferir, é porque ainda tens algo para analisar em frente ao espelho, e o processo é longo, não existem grandes certezas, mas sei que se esconder e nos tornamos presas não é melhor das "espertezas"!

Jazz, chás, cheiros e ritmos...Da boca aos pés, dos ouvidos ao resto...


Navváb A. Danso


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