A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO

Em Setembro completo 5 anos de residência em Portugal. 
De verão contam 4. Graças aos Deuses pude "fugir" em um deles. 

4 vezes esta mesma estação para perceber que sou comida para os olhos de certos "vilões".
Confesso que estes anos todos têm moldado muito a minha visão relativamente ao meu corpo e à forma como o exponho.
Experiência recente e ainda nem é verão, pelo menos no Porto não! Um body preto qualquer, aberto com um decote normal para quem anda a sentir algum calor e umas calças de ganga também pretas. Passei por 3 homens e a reação foi quase que ridícula, prefiro categorizar enquanto reacção porca.

Os olhos pairavam sob o meu peito. Pequeno peito. Engraçado. Parecia que a cara não importava. 
Não importa o tamanho, o que importa é a cor, a tentativa de desvendar o sabor, com base no racismo e na alta "sexualização" da mulher negra. Tudo o que ela faz é desejo, tudo o que ela faz tem significado, tudo o que ela faz é altamente sensualizado...
A carne mais barata do mercado.

Ok! Isto não é nem a metade!! Vamos ao que interessa porque quem não sente pensa que o que estou a cometer aqui é um grande pecado. Continuamos com a conversa de que a nossa voz nem é grande coisa, as nossas narrativas são sempre "exageradas". Coitada! Mulher negra, objecto de adorno, uso e fonte de transtorno.

Mais um top qualquer para aguentar os dias meio quentes que apareceram de repente e trouxeram alguma alegria, pensamos que seria permanente!!
Um short qualquer, aliás não era qualquer... Era branco e tinha flores. Peça bonita, a linhas foram muito bem pensadas, parecia obra de um grande artista...E não o é?

Passaram 2 rapazes, e mais 3 homens. 
Carne mais barata do mercado.
Olharam para mim como se fosse comida de graça.

Engraçado. Não escondem a vergonha e até no meu braço já tocaram.
Minha experiência nesta terra me tem deixado traumatizada e confesso sem vergonha, desconfio de qualquer branco e velho desta cidade.

Se não é por maldade?
É sim! É da maldade que vem nos olhares.
É da maldade que vem carregada de más intenções naquele tocar. Com um pedido de desculpa...pensou que eu sou estúpida e ia acreditar que foi um simples esbarrar na tentativa de passar.
A coragem de dizer qualquer coisa e seguir em frente com toda a autoridade. Sabem que nada os acontece e pensam que sou propriedade. 
Propriedade pública que quer e deve sempre ser tocada, olhada. Qual admirada? Deves estar a confundir porque aqueles olhares nada admiram, apenas inferiorizam a nossa pele, a nossa carne, o nosso templo, o chamado corpo.

Quem nunca se protegeu disto tudo não viveu nada disto. Quem nunca optou por algo menos ajustado e curto só por causa dos olhares? Não importa a dimensão do teu corpo, eu já te disse que o motivo é mais profundo e muito real! Quem não deixou de lado a sua necessidade só por causa deste assédio viral?

"Prefiro morrer de calor" do que ser alvo de olhares e comentários. A culpa é sempre nossa. A culpa de ser a carne mais barata do mercado. O objetivo é sempre nosso, queremos seduzir os pobres inocente com algo "exótico" que os deixa "encantados".

A mulher negra sempre a ser tratada como bicho ou nada.
Dou a minha roupa, a mesma roupa a uma mulher branca e ela usa e eu garanto: assédio poderá existir, mas o olhar vai ser sempre diferente, a audácia de tocar pode nunca estar presente! Os comentários são pensados muito bem antes de serem lançados. 

Não acreditas? Também eu não acreditaria, também eu não acreditava...
É preciso viver e sentir, para perceber o que é ser, a carne mais barata do mercado.

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