COMO FALAS DE TI?

Eu aprendi, desde muito cedo, que existiam formas de tratamento de acordo com a relação ou a falta dela, entre dois ou mais indivíduos.
Eu aprendi, ainda muito cedo, que existiam os "senhores", as "senhoras", as "donas" e que o resto era fácil. Bastava eu identificar para não errar. Cada um tinha o seu patamar, e eu nunca podia me esquecer de falar sem questionar.

Sinto que a minha existência enquanto mulher africana e negra neste espaço, influencia muito este meu pensamento. De onde falo gritos não se abafam, uma construção social é sim real, as necessidades e uma visão sem lar não existe.

Eu vi, desde muito cedo, a tranquilidade do sexo oposto, a liberdade, a audácia e a vida sem barreiras e sem muitos falares. Eu vi, ainda muito cedo, as perninhas fechadas, a boca calada, o sentido exacto, a aceitação imediata. Eu senti, desde muito cedo, que meninas como eu deveriam ouvir e rapazes poderiam interromper. É o dito "cliché" para ti se ainda não percebeste a liberdade...A minha e a das outras mulheres chamadas rainhas.

Ficamos um pouco mais, fazemos este sacrifício porque nos ensinaram a esperar por coisas boas e a aguentar certas marés.
Alteramos os nossos planos na última da hora, isto porque faz mais sentido, nos ensinaram que era assim e que teríamos de ser moldáveis em um mundo que não foi pensado nem por nós, muito menos para nós.
Aceitamos o básico, temos medo de falar, temos medo de nos expressar, comportamentos são medidos, palavras nunca devem ser a mais, engraçado! Eu pergunto sempre quando é que basta e onde fica o limite aceite.

Já disseram que eu exagero, enviei mensagens e quem teve preguiça de ler disse que eu escrevia "textos" e que na vida real, ninguém tinha tempo para tal.
Já disseram que sonho demais e mesmo assim ninguém nunca vai ser igual.
Já disseram que devo abrandar, ouvir, acatar e não ser por vezes muito racional.
Já disseram também que a culpa era minha, das palavras às acções, eu poderia evitar se ficasse calada a escutar.

Engraçado que com o tempo questionei tanto, mas demorei muito tempo para me questionar. Porque será que fico mais? Porque será que dei mais? Porque será que não falei mais? Porque será que não pude pedir, quero dizer, exigir mais? Porque é que abrandei quando era para acelerar? Porque é que não falei com firmeza e porque é que não disse que não iria mais, ficar, aguentar, ouvir, reagir, e decidir?

Todas estas reflexões geram por vezes reacções. Tenho aprendido a procurar entender os motivos, a estender o meu caminho quando preciso, e a abandonar certos outros que já não me servem.
Talvez seja este o caminho, abandonar ambientes, pessoas e pensamentos que já não me servem. Demorei, demoramos tanto porque antes tudo servia, é que desde muito cedo aprendemos a servir e nunca ser servidas.
É que ainda muito cedo não temos a liberdade de falar por nós, dizer exactamente aquilo que desejamos, olhar fixamente nos olhos de quem procura resposta contrária, e seguir para a nossa estrada. É que desde muito cedo não aprendemos a ser assertivas quando preciso, fomos moldadas para sermos facilmente moldadas, se é que ainda faz sentido.

A maneira que falas de ti, reflecte o que pensas sobre cada passo dado e não dado.
A maneira que relatas os teus factos, a maneira que contas os teus fracassos, as tuas vitórias e todos os teus traços, mostra como é que tens lidado com o mundo e com a tua existência.

Foi uma pergunta que surgiu de um dia para o outro, afinal como eu falo de mim mostra como eu sinto relativamente à minha existência.

Passei confiança? Sei o que faço! Tudo bem, mas passei confiança? Acreditei? Se falei, o que pensei antes de falar?
Disseste não só porque um sim ficarei meio mal?
Disseste sim só porque o não significaria não amar? Até que ponto aceitaste e o que a voz dentro de ti gritou quando tentaste abafar?

É exactamente isto, como falas de ti, como reages e como indicas as falhas sem antes encontrar beleza nas tuas memórias.

É isto, como falei, como tenho falado, como amei, e como tenho amado o único ser que posso controlar, emancipar e dar liberdade.


Navvab A. Danso


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