EMANCIPAR A MENINA AFRICANA


Um continente que por motivos científicos ficou com o título de Mãe,
A nossa gente que por muito que se esforce não é reconhecida enquanto criadora de nada muito relevante.

Um movimento que sempre existiu por meio de palavras, acções, sentimentos e revoluções que até hoje chegam em mim, proveniente das nossas outras gerações. Invadiram e inventaram palavrões, mesmo que seja uma consequência de toda esta globalização, sinto que é "neo" e o resto sabem bem que se trata de colonização.

Feminismo sempre existiu em África, ai de mim se disser isto mais alto, se repetir este disparate! Desculpem e sim, as básicas noções que o feminismo carrega consigo, não foram inventadas por mulheres brancas, não foram levadas para o continente somente quando as mulheres brancas queimaram sutiãs, não foram levadas de todo! As noções nasceram aí, acreditas em mim?
De modo algum quero minimizar este ato importante e revolucionário ocidental, marcharam e queimaram, foram queimadas e resistiram, mas cansa elevá-lo enquanto a gente do meu canto sempre teve voz e nunca espaço para projectar as suas ideias.
Mete medo, mas o mundo funciona de uma forma bem parecida com o ensino secundário:

Por vezes tens medo de falar porque não vais ser ouvida, de nada adianta porque nunca te ouviram;
Por questões raciais/sociais, não tens credibilidade e não consegues te juntar à manada;
Por vezes falas, crias, projectas e tentas voar, mas o castigo e a falta de confiança é tão grande que fazes tudo isto baixinho e escondido...aparece a espertalhona e popular, cheia de confiança que fala mais alto, leva o caderno de anotações à professora, ganha o reconhecimento e ainda tem a oportunidade de ensinar e servir de modelo durante todo o semestre. Senta-se à frente, é centro das atenções, os ouvidos alheios estão atentos, a massa gosta de um bom espectáculo e a tua ideia nunca foi nada para eles.

Não é preciso levar isto tão longe, percebes de que falo e sei que por motivos mais fortes questionas com cuidado, "não é bem assim".
As dificuldades que o nosso continente enfrenta são complexas e parecem não ter fim, mas é certo que têm uma grande causa activa e bem-vinda até os dias de hoje e não é nada que tu não vês e não percebes.
Cantamos por todos os cantos que hábitos e costumes desenvolvidos dentro da nossa cultura são machistas, sexistas, agressivas e extremistas, mas pouco fazemos para alterar a realidade, ou pouco influenciamos para moldar mentes sem trazer a ideia de que o grande continente só será válido se agir exactamente como o ocidente.

Algum dia pensaste o terrorismo no contexto Africano? Ele acontece, ele é presente, é preocupante, tira vidas, destrói Estados e desestabiliza sistemas. Quase que consigo adivinhar o único terrorismo que te comove e as únicas perdas que te preocupam e conseguem te influenciar a ler artigos e ver filmes sobre.

Continuando.

 Décadas e mais décadas para aprenderem que afinal, não era preciso banir e atacar chefes de tribos que defendiam a mutilação genital. Os rituais foram sendo alterados dentro do seu lar, à medida em que se acolhiam novos costumes, menos agressivos e que não incluíam de forma alguma o mutilar.
Há ainda muito trabalho pela frente, sem dúvidas que meninas sofrem e são cortadas com frequência, o nosso continente é grande e ainda vai levar algum tempo, mas não acreditar no potencial local, atrasou-nos ainda mais!
Não é "por vezes", digo isto com a certeza, a intervenção agressiva e o facto de que muitos ignoram a força local, faz com que projectos, movimentos e uniões bonitas e inocentes se colapsem, "sem mais nem menos".
Transferir modelos ocidentais nunca trouxe paz e nem resultados consistentes que estejam a promover hoje desenvolvimento. Então o pressionar com o tom paternalista, nunca vai adiantar!

Somos filhos da Mãe por um motivo, conhecemos aqueles que amamos e sem motivos especiais oferecemos presentes, tentamos entender, acolher e resolver pequenos impasses. Nós, Africanos, pouco fazemos para o nosso continente. Digo, sinceramente. Ideias boas são daqueles que nos fizeram sofrer, permitam-me manifestar a minha raiva, foram mais de 400 anos em que puderam manifestar a vossa. É romântico falar assim, categorizaram a nossa dor e as coisas óbvias já não têm valor, e muito menos são implementadas ou respeitadas.

O que chamamos de feminismo sempre existiu em territórios com história, muito antes do colonizar!
A emancipação da mulher Africana não começou com sutiãs, então se o fosse, para quê um título de Mãe? As ciências inventadas que hoje são de outros, os títulos roubados, a matéria-prima levada, tudo isto ainda não nos faz pensar, porque será que estamos a levar ideais sobre emancipação, ao invés de apoiarmos e procurarmos entender as pequenas lutas de mulheres que sempre lá estiveram, e que mais de que qualquer entusiasta, entendem o território, o povo, as dinâmicas e a cultura.

Mais uma vez tudo isto é romântico para ti, estás tão bem formatado que tudo é romântico, nem tudo é bem assim, damos voltas e mais voltas, soluções não as temos! Fizeram-nos acreditar que tudo o que é nosso é complexo, mas é claro que o é e leva tempo, mas fizeram-nos acreditar tanto nisto tudo, que é mais fácil viver e amar aquilo que já é organizado e que existe fora do nosso lar, do que trabalhar para entender e ter paciência para modificar.

São vários os países do nosso continente que sangram até hoje, neste preciso momento, devido também à nossa insistência em querer manipular certas realidades e fazer valer nossos projectos pequenos e nossa mente formatada. O que acontece hoje na África do Sul e que precisou de alguma cobertura estrangeira para chegar aos ouvidos de muitos, acontece em vários outros lugares da nossa Mãe e não olhamos os nossos males até saírem da boca de quem achamos que sempre tem razão e sabe melhor do que nós a nossa situação. Minorias e mulheres vistas enquanto pequenas, lutam de acordo com as suas condições para se emanciparem e elevarem outras...Um grau académico a mais, uma peça de roupa a mais, uma instrução a mais, um poder sonhar sem parar para trabalhar que nem animais!

Talvez o grande problema da minha geração e da quem vem a seguir é que nós pouco sabemos das prioridades de outras meninas do nosso continente e pouco queremos saber. Achamos que as prioridades de todas são iguais às nossas, quando de umas são muito mais básicas e consideradas "ridículas", apenas por estarmos onde estamos. Vale lembrar que há muito o que reconstruir no nosso canto, há meninas que não vão à escola e que precisam mais do que duas palavras e o encanto daquilo que descobrimos há tempos enquanto "empowerment". Palavra bonita que remete acções que sempre existiram e que continuam a existir tendo em conta a realidade de cada menina Africana, tendo em conta as condições de cada família que carrega esta menina Africana.

A cultura machista que hoje é presente e sólida na mente de mulheres e de homens africanos vem de muito longe, vem também do ódio implementado entre nós, vem da estratégia e da falta dela, vem da separação e da necessidade da sua perpetuação. Eles mesmos nos denunciam, nos expõe e nos humilham, "homens africanos são machistas", "mulheres africanas passam pano em homens africanos", manchetes mundiais, presentes e que a mim me metem medo.

Mete medo ver quem não entende da realidade a falar do nosso mal e a ignorar o impacto e causas reais. Mete medo ver o nosso recuar, mulheres Africanas não querem perder tempo a resgatar este lugar, não querem discutir, não querem esticar conversas porque sabem que no final quem ganha é quem sempre tem mais audiência. Mete medo...Eles me silenciam e me fazem de doida, não tenho o direito de falar do meu lugar e criam teorias como a o lugar de fala, que sempre existiu, para nos tapar. Mete medo saber que foi preciso muitas irem à busca de um modelo similar quando têm o original, mas tudo o que é história antes do colonizar, não vale a pena e nem é tão real.

A violência, quer seja ela sexual, física no geral e mental, é um problema no nosso continente cujo povo esqueceu a história e foi criada para odiar. A exposição de meninas Africanas a estas violências é o pão de cada dia em vários lugares, pouco se investe para trabalhar nos locais, "grandes" mulheres deste lado ocidental, estão sempre prontas para mencionar e chorar, mas o que vale somos nós batalharmos para buscarmos o nosso espaço e projectarmos o nosso falar.

Tive que levar todo este discurso para este lado, é necessário, é vital.

Foi intenso, ainda há mais.

Tenho muito o que escrever, a questão da violência entre nós é complexa demais para se perceber ao longo de umas linhas e alguns questionamentos, mas aproveito para elevar a causa, procurar revolucionar as mentes que pensam com tristeza o que acontece lá dentro, mas que não procuram identificar as falhas quando o assunto é trabalhar para evitar culturas violentas.

É lutar, sempre foi lutar, por um bom tempo será só isto o primordial.
É falar, a mim não me calam e a ti não deviam, não admito que falem do meu continente por mim, enquanto há potencial por aqui e por todos os cantos, mas não são reconhecidos enquanto tal!
É natural que cubram e chamem a atenção, é natural que olhemos e tenhamos algum espanto e emoção, mas não é natural permitirmos que nos roubem a fala e que interpretem o lugar de onde ela vem.

Sobreviver para um dia viver, minha Mãe África perdoa-nos a nossa ignorância de não saber lidar com as riquezas da tua história e não saber fechar as portas para quem tanto te explora e te magoa.


Navvab A. Danso

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